A poesia rimada e
metrificada
(ensaio)
1. A métrica
e a rima.
Os poemas ditos clássicos, com rimas e
métricas escorreitas, já estão um tanto fora de moda. Muitos poetas utilizam os
versos ditos livres ou soltos, o que facilita bastante a sua expressão poética,
liberta do esqueleto das sílabas métricas e das amarras da rima.
Um soneto, por exemplo, que estudaremos
depois, é composto por duas quadras e dois tercetos rigidamente metrificados. E
isso, convenhamos, dificulta bastante a nossa mensagem poética. Mas é possível
atingi-lo, com dedicação, estudo e muita leitura de poetas clássicos.
Trataremos de sílabas métricas (chamadas poéticas por alguns autores), que não
devem ser confundidas com as sílabas ortográficas que aprendemos no início de
nossa escola, embora possuam também sílabas tônicas e átonas.
-
Unissílabas:
Eu
sou
teu
sol.
|
A
B
A
B
|
Vejam os senhores que o exemplo é
meramente didático, Não sou sol para ninguém. A poesia unissílaba é inviável.
Não há exemplos dela na poesia clássica ou qualquer outra corrente.
No exemplo acima, eu e teu formam uma rima dita perfeita. Sou e sol formam uma rima
chamada imperfeita, mas que pode ser usada sem problema, embora alguns poetas
puristas e mais clássicos a evitem. Como exemplo didático, temos acima uma
quadra unissílaba.
- Bissilabas:
Também pouco
usada no poema clássico. Exemplo.
O vento
padece.
Sedento
fenece.
|
A
B
A
B
|
O / ven
(to)
|
Observem que,
ortograficamente, O vento tem três
sílabas. Mas na poesia a última sílaba métrica, átona, é desconsiderada.
Importa mais o som que a letra. E
definir as sílabas métricas, dizem alguns entendidos, chega a ser uma questão
de ouvido, como música e ritmos. Temos acima uma quadra bissílaba.
As letras A,
B, C, D, etc, indicam a rima. Acima, vento
e sedento tem as letras A, pois as palavras rimam ao fim da linha.
-
Trissílabas:
Anda
cheio
de ardores
sem temores
no seu
seio.
|
A
B
B
A
|
An/da/
cheio
|
(Quadra
trissílaba em rimas ABBA).
-
Quadrissílabas:
É suave o
vento
vindo da
serra.
Refresca a
terra
sem um
lamento.
|
A
B
B
A
|
É / sua /ve
o /vento
|
(quadra
quadrissílaba).
-
Pentassílabas:
Aurora vem
vindo,
no céu já
surgindo.
Refeita,
está rindo
da vil
solidão.
|
A
A
A
B
|
(quadra pentassílaba)
|
-
Hexassílabas:
O vento
leva cantos
a navegar
no ar.
Parece
sibilar
os doces
acalantos.
|
A B B A
|
O / ven/ to/ le/va/ can (tos)
a /na /ve
/gar / no / ar
|
-
Heptassílabas:
Muito
utilizadas, porque possuem mais cadência. São a base do cordel.
Na minha
terra querida
o vento sul
é ligeiro.
O céu
reflete altaneiro
dourado
reino de fadas.
|
A
B
B
A
|
Na/ mi /nha
/ ter / ra’en / can / ta (da)
|
Quadra
heptassílaba em rimas ABBA.
- Cordel:
Já que
Gianelo sonhava
sem com ela
se importar,
nos braços
do guapo jovem
resolveu se
esparramar.
Pensou: ─
Que rapaz de estofo,
mais
gostoso que o balofo
do meu
marido a roncar.
|
A
B
C
B
D
D
B
|
Observem que
o cordel, muito praticado no Nordeste, tem quase sempre algum motivo jocoso ou
alegre. (Sétimas heptassílabas). Rimam os versos 2, 4 e 7. Rimam os versos 5 e
6 Os versos 1 e 3 podem rimar ou não.
-
Octossílabas:
Se
quiseres, me ama assim
de maneira
que me convença.
Nem sei
mais se acredito em mim.
Nem sei
mais qual tua sentença.
|
Se / qui /
se / res / me a/ ma /sim
|
Esta quadra
octossílaba é bem pouco utilizada, até porque carece um pouco de ritmo,
cadência e harmonia.
- Eneassílabas:
Não muito
usadas. Formam, no entanto, poemas belíssimos.
E o trovão
coruscante a cair
sobre a
terra abalada, perdida,
temerosa da
sorte e da vida,
pois o céu
ameaça ruir.
|
(E o / tro
/ vão / co /rus /can /te a / ca / ir)
|
- Decassílabas
Talvez as
mais usadas no verso clássico, muito no poema épico:
As armas e
os barões assinalados,
que da
ocidental praia lusitana,
por mares
nunca dantes navegados,
passaram
muito além da Trapobana.
|
As /ar /
mas / e os /ba / rões / as /si / na / la (dos)
|
(Luiz Vaz de
Camões em “Os Lusíadas”).
(Trapobana –
Ceilão).
-
Eneassílabos:
Versos com
onze sílabas métricas. Ficam belíssimos.
Cheguei perto dela, cheio de esperança.
Ela me fitou com promessas tentando.
Piscou, divertida e tirei-a pra dança.
Com a linda morena soltei-me valsando.
Vi lua sorrindo e as estrelas brilhando.
|
A
B
A
B
B
|
(Quinta eneassílaba).
-
Dodecassílabo (doze sílabas poéticas) - o verso alexandrino também tem 12
sílabas, mas a cesura (sílaba tônica) será feita na sexta e na décima-segunda
sílabas.
Helmistíquio
– uma metade de um verso alexandrino, com seis sílabas métricas.
Escansão
ou escandir – decomposição do verso, decompor ou mesmo trabalhar o verso.
Acima
de doze sílabas métricas, os versos raramente são elaborados, pois tendem a se
tornar prosa. Alguns autores os chamam de versos bárbaros. Versos de 14 sílabas
métricas eram chamados arcaicos.
Versos podem
ser uma única linha, que tecnicamente chamamos estância, ou estança. Pode ser
uma quadra, como também toda a obra de um poeta. Seu conceito é muito eclético.
Nestes versos vos dou minha vida.
Minha vida,
mortais, é assim.
Ante os
homens um riso mentido;
longe deles
um pranto sem fim.
|
A
B
C
B
|
(Laurindo
Rabelo)
(quadra
eneassílaba).
Finalizo com um verso pelo qual tenho
especial predileção. A oitava quadrissílaba, que nada mais é que um verso de
oito estâncias rimadas com a métrica em quatro sílabas poéticas.
Noite de
festa,
toca a
orquestra
lindos
minuetos,
valsas, jograis.
Longos
vestidos
d’ouro
tecidos,
relembram
cantos
e
madrigais.
(RRM)
|
A
A
B
C
D
D
E
C
|
Bárbara
bela
do norte
estrela,
que o meu
destino
sabes
guiar.
De ti
ausente,
triste
somente,
as horas
passo
a suspirar.
(Alvarenga
Peixoto 1747-1793)
|
Gêneros de composição poética (alguns
podem ser também usados em prosa).
Nestes
gêneros há duas predominâncias:
- elementos de emoção e de afeto:
Lírico
(verso)
Épico (verso)
Dramático
(verso e prosa)
- elementos intelectivos.
Vamos nos
ater ao que nos interessa, ou seja, o gênero poético onde predominam o Lírico,
o Épico e o Dramático.
Gênero Lírico:
Subjetivo
(morte, alegria, saudade, tristeza, êxtase religioso, amor, etc.)
Algumas
formas líricas:
Soneto,
trova, ode, ditirambo, elegia (panegírico), cantata, madrigal, idílio, égloga
(ou écloga), redondilha maior e redondilha menor.
1, SONETO:
Há controvérsias acerca de sua invenção.
Historiadores dizem ter sido inventado na Alexandria. Autores mais renomados
apontam o trovador italiano Giácomo Lentini. O apogeu do soneto aconteceu na
Itália com Dante e Petrarca.
O soneto foi para a França no século XVI, e
os poetas brasileiros do século XIX se acostumaram a seguir este, o francês. Na
França Joachim Du Bellay e Pierre de Ronsard; na Espanha Herrera e Lope de
Vega; na Inglaterra Shakespeare; em Portugal Camões, Bocage e Sá de Miranda. Os
poetas brasileiros que cultivaram o soneto foram muitos. Destaco Olavo Bilac
(parnasiano) e o catarinense Cruz e Sousa (simbolista).
Talvez seja o soneto o suprassumo da
poesia, pela sua forma clássica e refinada. É composto de duas quadras e dois
tercetos. Normalmente de versos eneassílabos até dodecassílabos ou
alexandrinos. Abaixo, um soneto decassílabo, o mais frequente. Não há nada que
impeça o poeta de fazer um soneto heptassílabo, por exemplo. Mas os clássicos
talvez torçam o nariz. Machado de Assis foi um grande cultor do soneto
alexandrino. Reconhece-se, no entanto, que ele foi inimitável como romancista
da fase realista da literatura brasileira e não como poeta. Vejamos um soneto
decassílabo:
Filosofando
Eu vivo, tu
existes, nós dois somos.
Talvez
sejamos mais do que julguemos.
Talvez
sejamos menos do que fomos.
Na dúvida
do ser nós nos perdemos.
|
A
B
A
B
|
O nada, o
tudo, ideia, concretismo.
O tudo, o
nada, além, filosofia.
Deixar de
ser, não ser, por comodismo.
Não ser,
querendo ser, triste ironia.
|
C
D
C
D
|
Quem sou,quem
és?Não sei,não sabes. Minto.
Desejo
conhecer meu universo.
Porque
estou aqui. Se sou. Pressinto.
Talvez a
luz da fé me imerso
no anseio
da esperança que não sinto
E tire a
solitude deste verso.
|
E
F
E
F
E
F
|
-
Outras formas de versos:
Com
relação ao número de estâncias, os versos podem ser:
-
Duetos (dois versos)
-
Haicais (tercetos japoneses) ou os tercetos do soneto.
Os haicais,
em “O soneto e a trova”, de Abel Beatriz Pereira, nosso grande e saudoso poeta
da Academia São José de Letras, terão três versos de dezessete sílabas
métricas: Exemplo:
Chão humilde,
então,
Risco-o à
sombra de um voo.
“Sou céu”,
disse o chão!
Este haicai,
de Guilherme de Almeida, apresenta rima no primeiro e terceiro verso (então –
chão). As traduções de haicais japoneses não costumam ter rima. Mas, resolvi
inovar, com haicais (se não quiserem, que sejam tercetos) de sete sílabas
métricas e rimas:
Como é
bonita a tardinha
na minha
Floripa amada.
A lua surge
prateada.
Sol já
cansou de brilhar
e foge,
estrela tão bela,
por detrás
do Cambirela.
|
A
B
B
A
B
B
|
Quadra
(quarteto)
Quinta
(quintilha)
Sexta
(sextilha)
Sétima
Oitava
Nona
Décima
Além disso,
afirmam alguns autores que já se antevê o épico.
2. A TROVA é
uma quadra, normalmente heptassílaba, de sentido completo e independente.
Podemos fazer trovas muito bonitas, brincando com palavras de mesma grafia e
sentido diferente (polissêmicas).
Eu peno,
bela morena,
as penas do
teu chorar.
E minha
pena, com pena,
chora, se
estás a penar.
|
A
B
A
B
|
3.
CANTATA:
Gênero
recitativo. Alguns denominam ária. Serve para a música.
4.
ODE:
Épica,
entusiástica. Nasceu na Grécia e exalta uma nação, um herói, uma guerra, uma
situação dantesca, uma história. Pode ser também uma exaltação a uma pessoa,
como a Ode a um poeta morto (Olavo Bilac), de Raul de Leoni. A Ode pode ser
heroica, sacra (salmo, miserere), sáfica (amorosa – da bacante Safo, que
habitava a ilha de Lesbos) e filosófica.
5.
DITIRAMBO: é uma variação da Ode. Seu objetivo maior é cantar os gozos do vinho
e os prazeres da mesa. Tem sua divindade em Baco (ou Dionísio).
6.
ELEGIA: Tem por tema um assunto triste, uma lamentação profunda, a lembrança de
alguém que morreu. As academias a fazem em homenagem a um, membro falecido.
Alguns autores denominam panegírico (discurso que louva alguém).
7.
MADRIGAL: pequena composição de fundo amoroso que encerra um elogio galante.
Muito usada pelos trovadores medievais, principalmente quando as mulheres dos
guerreiros ficavam sozinhas nos castelos, já que estes tansos iam para a
guerra. Está fora de moda, pois a praticidade do amor acabou com ela.
8.
IDÍLIO: composição graciosa, do campo, entre pastores, que fala de amor.
9.
ÉCLOGA (ou égloga): poesia cheia de paz e inocência, primitivamente dialogada,
onde se exaltavam as delícias campestres.
10.
Redondilha maior – nada mais são que versos em quadras heptassílabas (sete) com
rimas ABBA.
Assim,
nós vamos correndo,
nessas
subidas, descidas,
o
carrossel desta vida
e
as ilusões escondendo.
11.
Redondilha menor – versos em quadras pentassílabas (cinco) com rimas ABBA.
Toda
a natureza
só
veste alegria,
gentil,
sinfonia
de
agreste beleza.
Gênero Épico:
Nele
está muito presente o louvor, o mito. A Ilíada e a Odisseia de Homero são dois
bons exemplos. Ainda a Eneida, do romano Virgílio, Orlando Furioso, de Ariosto
e A divina comédia, de Dante Alighieri. Expressão de fatos históricos e feitos
heroicos. A epopeia costuma ser um poema clássico, com métrica e rimas
lapidadas. Em Portugal Os Lusíadas, de Luiz Vaz de Camões. No Brasil
Prosopopeia, de Bento Teixeira e O Uruguai, de Basílio da Gama. O poeta Artemio
Zanon está preparando a sua epopeia, que aguardamos ansiosamente.
Gênero Dramático (em
prosa e verso).
Destacamos a tragédia, a comédia, a
tragicomédia, o drama, a farsa e o auto.
Tragédia: poema ou prosa com personagens
heroicos, temas históricos ou lendários; desperta emoções fortes e termina
geralmente de forma triste e dolorosa.
Comédia: peça teatral de estilo jocoso. Nela
predominam a sátira e a graça. Podem ser feitas novelas ou comédias de
costumes, que soem analisar ou somente constatar as normas de conduta social em
determinados contexto e tempo.
Tragicomédia: Peça teatral em prosa ou verso,
entremeada de passagens cômicas e acontecimentos infaustos. Alguns autores a
chamam comédia trágica. Os gregos utilizaram muito a comédia, a tragédia e a
tragicomédia nos seus tempos áureos, quando a Hélade dominava as letras e as
artes.
Drama: peça teatral com narrações de
acontecimentos graves e emocionais. O
drama assume tons os mais diversos em seus personagens também diversos. Os
sentimentos revelam-se, da mesma forma, os mais díspares. O drama clássico
harmonizou as noções de tempo, espaço e ação. O drama medieval antecedeu e
motivou as peças da Renascença. Citamos Shakespeare na Inglaterra, Lope de Vega
na Espanha, Gil Vicente em Portugal. Na era moderna, com novos tons de
realismo, destacamos Ibsen. O drama chamado lírico introduz e mistura com a
prosa e o verso criações musicais.
Farsa: peça teatral de caráter burlesco,
engraçado. Podemos assim considerar, neste livro, o Auto da barca do inferno,
de Gil Vicente, que poetizamos (A barca do diabo).
Auto: Por muitos autores considerada uma
peça de caráter religioso. Na Renascença podia ser um drama ou uma comédia, em
prosa ou verso.
Pesquisa:
Curso
de Literatura Brasileira – Ébion de Lima. (Editora Coleção F.T.D. Ltda).
Dicionário
Prático Ilustrado - Livraria Chardron
Lello
Ltda Editores. Porto - Portugal.